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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Freak out

- Eu posso chorar?
E pela quarta vez ela se abraçou e debulhou-se em lágrimas.
- Eu posso sonhar?
E pela quinta vez ela tentou dormir. Mas foi inútil, pois seus pensamentos gritavam e vandalizavam sua mente. E então pela quinta vez ela perguntou novamente:
- Eu posso chorar?
E chorou.

Iria logo completar duas semanas desde que sua loucura havia começado. Ela havia passado por um choque de realidade muito grande, onde toda a sua vida foi posta ao avesso, e ela viu-se finalmente no quarto bagunçado de suas emoções. Era necessário uma faxina, rearrumaria tudo, finalmente, estaria em ordem.

Foi assim que imaginou ser.
Mas não foi assim que aconteceu.

Cada vez em que ela descobria algo novo de si, que rotulava uma nova caixa de sentimentos, menos ela entendia coisa alguma de tudo aquilo. Quanto mais ela arrumava, mais bagunça aparecia. Um dia ela sentou-se perante todo o trabalho que estava construindo, e horrorizou-se com o que viu. A desorganização estava pior do que quando começou.

Foi então que a loucura começou.

Ela não sabia mais quando estava dormindo ou quando estava acordada, ela caminhava feito um zumbi pela casa. Ela não saia de casa. Seus amigos se ocuparam demais para lhe dar atenção, na verdade, seria talvez tão pouco tempo que ela estaria ali, que eles não se importaram em refazer os laços que ela iria destruir depois com a partida.  Ou talvez não. Talvez ela apenas estivesse tão desocupada no meio de pessoas que possuíam uma vida normal, que por essa razão nem sempre ela poderia sair.

- Eu posso chorar?
E dessa vez eu não sei mais se era a décima ou décima segunda vez que ela chorava.

Mas não vou mentir, ela tentou. Ela levantava todos os dias com fogo nos olhos, se forçando a reagir, a rir, a dançar, a sonhar. Mas até aquela cidade que a criou a sufocava, e toda vez podava suas asas e a trancava naquele minusculo quarto cheio de entulhos, com uma única micro janela gradeada perto do teto. Talvez uma cela de prisão fosse melhor que aquele lugar.

- Você... Pode cantar para mim mais uma vez?
Ela dizia para uma foto velha 3x4 que guardava na carteira. Então dava voltas no único espaço livre do quarto, fingindo ouvir uma voz que ela não sabia quando ouviria novamente. Relembrando os sonhos que tivera, sem mais acreditar em realizá-los. Sentindo na pele o toque que pensava não conseguir viver muito para sentir de novo. Quando foi que tudo havia destruído?

- Me deixe em paz, por favor!
Ela gritava para a loucura. Ela implorava. Ela rastejava. Ela não suportava mais. Quando foi que ela havia morrido? Quando foi que sua mente se perdeu? Fora soterrada por aqueles pensamentos obscuros e emaranhados que sozinha não conseguiu achar a solução.

- Eu posso dormir?
E nem mesmo pedindo permissão, a loucura deixou que ela dormisse. E a morte lhe negou a mão.
-Eu posso chorar?
E chorou.Vigésima vez.

Porém, uma noite, após tantos gritos, tanto choro, tantas suplicas, a Loucura tomou forma e repousou a cabeça da mulher em seu colo. Ela lhe passou a mão pelos cabelos desgrenhados, enxugou-lhe as lágrimas, desamarrotou-lhe o vestido e lhe olhou nos olhos. Sorriu e disse:

- Sorria também.
E a ela sorriu para a Loucura com um sorriso torto e demente.
- Você não precisa que eu me afaste, corujinha. Você precisa de mim. Olhe o mundo com os meus olhos, me aceite, e seus problemas serão como doces que irão derreter em sua boca.
- Eu posso ser feliz?

Então ela abriu os olhos, e viu na sua bagunça um castelo em ruínas. Descobriu que com cada descoberta de si, mesmo que causasse mais bagunça, ela pegaria aqueles retalho e reformaria sua nova casa.
Ela não precisava arrumar. Ela precisava bagunçar de um jeito diferente.

Porque é o caos que move o universo.
E a Loucura lhe acompanha logo atrás.

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