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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Conto de Primavera IV


Eram castanhos, mas não era qualquer castanho. Eram castanhos esverdeados, dando uma leve impressão de uma coloração amarela. Os olhos dele pareciam dois âmbares cintilantes, fiquei fascinada.

Poderia passar tempos- ou páginas- descrevendo o efeito que aquele olhar me causou, mas não o farei, usarei apenas algumas linhas. Sim, vou falar de um par de orbes, então se você não for um oftalmologista, ou, um sinestesista louco, não leia.

Não sei oftalmologia, mas, a sinestesia que eles me causavam era única. O Sol da primavera por entre as doces flores nas árvores incidia suavemente na íris castanha esverdeada, fazendo-o franzir o cenho, o que tornava seus olhos um pouco menores do que o normal, acentuando a impressão de que estes eram cor de âmbar.

Foi um encontro casual, ainda vestia preto, sua elegância era notável e impecável, ainda me encantava o seu sorriso. O tempo relativamente, meu inimigo, fez atenuar a dor e a saudade que sentia dele. Ele me retribuiu o mesmo olhar.

O olhar frio que me desarma, o olhar estático que acelera meu coração, apenas um olhar, e as maçãs do meu rosto corava-se. Quase nunca olhava para os lados, seus olhos eram fixos, captavam cada detalhe e previam cada movimento, seu corpo tentava me recusar, mas seus olhos procurava em meus gestos, a menção de um beijo. Os olhos dele expressavam desejo.

Abraçou-me e me beijou na testa, seu cheiro me invadiu, mas logo sairia; suas mãos me esquentaram, mas logo sentiria frio. Mas ele me olhou com aqueles olhos castanhos esverdeados, eu sorri e disse adeus. Disse contente, pois percebi naqueles olhos, as palavras que a boca nunca pode dizer, mas que meu coração sempre soube.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Conto de Primavera III


Um passeio urbano. Calça jeans, all star, um corpete, casaco de couro e o capacete. Sobre uma moto preta, uma garota acelerava e desviava dos carros. Sentia-se em um filme hollywoodiano.

Sinal vermelho. Freei suavemente ao lado de um ônibus, sorri sarcasticamente, finalmente estava livre daquela coletividade irritante. O relógio marcava dez e quinze, não poderia me atrasar, ele odiava esperar muito. Droga, onde eu estava com a cabeça quando o deixei ir para o salão? Logo hoje que terei um almoço importante sobre a minha matéria no jornal! Olhei novamente o relógio em seguida para o semáforo, que permanecia fechado. Maldito tempo relativo.

Há tempos, quando o avião pousava, e nele trazia aquele em que me aconchegaria nos seus braços, o tempo fazia questão de passar feitos os segundos, agora, parada na sinaleira, parece que o sinal verde demorará horas para aparecer. Já o tempo para o meu companheiro no salão, era inerte. O sinal abriu. Virei uma, duas, três esquinas e finalmente cheguei.

Parei na porta de um Pet Shop e encontrei lá, angustiado pela a minha demora, o meu cachorro. Sorri e peguei-o no colo, ele estava tão lindo que era quase surreal. Por fim, paguei pelos serviços prestados. Seria tão bom se ele se mantivesse tão limpo e fofo, colocando-o na bolsa de viagem, segui para o restaurante, pelo menos o meu entrevistado não se sentiria tão entediado quando visse a minha bola de pelos.

Gabriela Vaz.

domingo, 11 de setembro de 2011

Conto de Primavera II


“Eu prometo nunca te fazer sofrer.”

Ouvi isso em um parque vindo de um casal, enquanto tentava ler um bom livro do grande Machado de Assis. Foram inúteis os meus esforços, pois, cada vez mais, as juras do casal me injuriavam.

CHEGA!

Fechei o livro revoltada e levantei do banco. Odiava o amor. O odiava pelo simples fato das experiências vividas. Se eu soubesse que doeria tanto, não teria amado.

A mesma frase que o rapaz dizia ilusoriamente para a moça, um dia eu também escutei, e tolamente, acreditei. O amor é um jogo onde sempre tem um idiota. Se não houver, não tem amor. Andava olhando para as árvores com seus frutos e flores, troncos talhados com nomes e corações – como se isso fosse perpetuar algum relacionamento -.

Apesar do tempo que passou, ainda doía.

Tirei a chave do bolso – finalmente, comprei uma moto -, amarrei o cabelo e sentei na moto. Um vento fresco de fim de tarde ressecou meus lábios, olhei a rua e um carro preto passou. Jurei que era o dele, senti até o coração acelerar, cheguei a ligar a moto para ir atrás do carro, mas detive-me. O que iria adiantar? Ele não me queria, acho que nunca quis, e também, ele já deve dormir nos braços de outra. Às vezes ver o mundo de maneira tão lógica e metódica, não ajuda muito, na verdade, assusta. Mas no fim das contas, o carro não era o dele.

Doía, e eu me odiava por isso. Coloquei o capacete e olhei os vários outros casais, achava-os tolos, mas nunca lhes disse isso. Apesar de idiota, era saudável viver tal ilusão, afinal, o capitalismo se baseia nessa saúde. Dei a partida e acelerei, havia tomado conhecimento sobre um novo barzinho com sinuca e happy hour perto da praia. Uma hora da manhã, ligaria para alguém ir me levar em casa.