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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O uivo da meia-noite.

Era tudo dependência emocional.
Eu me tornei dependente de um amor que no fim não era amor. Era obsessão. 
E não, assim como não foi fácil ouvir ele me dizer isso, estar afirmando isso também não está sendo fácil. Mas eu fui forçada a seguir, pois já dizia Shakespeare, “[...]Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.”
Juntei então os cacos e voltei pra minha terra. Olhei para meus amigos com medo da reprovação, mas eles nada me disseram. Me abraçaram e sussurravam, “Eu senti sua falta.”. Me sentir querida e amada, foi um dos primeiros passos que observei para que começasse a me sentir melhor. Mas o poço é sempre muito mais profundo e obscuro do que imaginamos.
Por fora, eu estava sorrindo, mas cada parte dentro de mim estava destruída. Por dentro eu chorava, eu implorava por aquele amor que para mim parecia ser mais indispensável que o ar. Eu viveria esse estado de caos por muito tempo. Sim, viveria. Foi aí que a minha alma gêmea surgiu.
Falar em alma gêmea é ainda uma coisa que talvez as pessoas interpretem mal. Aqui eu não falo mais de um amor carnal, aquele que te faz subir no altar e desejar ter filhos. Eu digo de um amor muito mais profundo, um amor de irmãos. Mas irmãos que foram ligados pela vida, e eu acho esse tipo de ligação muito mais forte que qualquer laço sanguíneo. Como eu ia dizendo, essa pessoa que é meu irmão de alma apareceu, e viu em um primeiro olhar toda a perturbação que eu estava passando. “Você não é assim.” -Disse ele, e eu sabia que aquilo era verdade. “Você vai voltar, e eu vou ser o seu salto.” – Ele me segurou a mão e me sorriu. Quando eu falei que ele era minha alma gêmea, não foi por qualquer motivo, o olhar que ele me deu naquela noite, era um olhar que eu bem conhecia. Era o olhar de que ninguém iria pará-lo até chegar onde queria.
Seguimos por ruas que eu esqueci que conhecia, andamos por uma noite que sempre nos pertenceu. No céu, a lua era cheia. Chegamos a uma boate onde a música forçava o corpo a mexer-se, tudo aquilo pulsava, cheirava a liberdade. Aos poucos, algo dentro de mim se contorcia, me provocava um sentimento libertino, ousado. Eu o olhei sem compreender, ele me sorriu de volta e disse “Destrua tudo”.
E eu destruí. Quando entrei naquele ambiente escuro com todas aquelas luzes piscando enlouquecidas, eu entendi que o que eu sentia era o meu Eu querendo se libertar. Foi como soltar uma fera sedenta no meio de um rebanho de ovelhas. E eu tomei a noite pra mim, bebi a lua e me fiz poderosa.
Dançava como a muito tempo não fazia, e apesar do corpo doer, eu não queria parar. E dancei mais e mais. Deixei que o suor escorresse pelo corpo, que meus cabelos grudassem no meu rosto e que a música me embriagasse. E mesmo assim, ainda havia algo errado dentro de mim. Foi então que Ele apareceu.
Bastante alto e forte, parecia uma muralha ao meu ver. Chegou tentando empurrar um amigo estrangeiro, o que não teve sorte. Meu humor não estava bom para conquistas. Até hoje não consigo saber se foi pela bebida, ou se eu estava chamando tanta atenção, mas aquela muralha em forma de homem tornou sua atenção para mim, e com uma sagacidade fora do comum fez com que meus cadeados caíssem, e eu fiquei espantada. Ele tomou meu coração e o dissecou minuciosamente. E no fim ele disse, “Você criou uma dependência emocional”. Aquelas palavras fizeram o maior cadeado em mim se abrir, e uma enxurrada de pensamentos trancafiados correram por todo meu ser me consumindo.
“Mas, você é incrível”. Ele disse e tudo calou-se. Não importava se eu estava em uma super balada, tudo havia ficado em silêncio e eu o olhei através daqueles óculos que lhe caiam tão bem, e vi olhos de alguém que não estava só atrás de uma conquista. A partir daquele ponto esse homem falava sobre as coisas que via quando me olhava. Eu me assustei com a verdade. Ele me fez ver que eu estava com uma máscara de uma velha acabada e sozinha, quando na verdade eu era uma das pessoas mais deslumbrantes do lugar. “Seus olhos são sedutores” - Ele me dizia com frequência. E há quanto tempo eu não ouvia isso? Lembro só de um certo violinista sempre citar Dom Casmurro a respeito dos meus olhos, “[...] Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada[...]”. Dentro de mim, a minha autoestima presa em grilhões gritava com os pulmões em brasa, “SIM, SIM! SEUS OLHOS SÃO INCRÍVEIS! É O QUE VOCÊ MAIS GOSTA EM VOCÊ. ACORDA, MULHER!”.
Talvez o medo de tirar a venda que me cegava foi maior do que meu grito desesperado por liberdade, e me afastei. Uma desculpa esfarrapada de que tinha que encontrar uns amigos, e sai correndo. Voltei a dançar, mas minha mente já não estava mais aproveitando tanto aquilo, em algum outro lugar, eu pensava nos elogios que ele havia me feito. “É mentira, devia estar me iludindo para me beijar”, esse pensamento me consumia há dez meses. Foi no exato momento em que começou a tocar “Man! I Feel Like a Woman!”, que eu vi meu reflexo na janela da boate.
A cada batida da música meu corpo serpenteava, minhas mãos subiam e desciam percorrendo todo o meu perímetro, sentido cada curva, cada músculo, cada pulsar. Meu olhar era algo perigoso, volátil e misterioso, minha boca vermelha um convite inegável para um beijo venenoso e viciante.  A Lua brilhava só para mim, e naquele momento me dei conta de que eu nunca precisei de que nenhuma pessoa gritasse minha beleza, pois quando eu queria eu tinha toda essa vontade e sensualidade a todo gás.
Eu olhei para meu irmão, e dessa vez ele não conseguiu esconder sua felicidade explosiva. “Essa é você!”, ele gritou. Eu sorri. Então todos olhavam por onde eu passava, e eu notava isso.
Desci as escadas atrás dele, precisava dizer o quanto ele me ajudou, o quanto ele estava certo. E o encontrei nos braços de outra. Eu pensei em fraquejar, em chorar, em achar que eu talvez não pudesse tanto e... Não, eu podia, e foi isso que ele me fez ver. Foi isso que o meu amado queria que eu visse. Respirei fundo e o encarei. Esperei. Esperei feito uma leoa prestes a dar o bote. E ele olhou. Os olhos petrificados em mim, ele sorriu. Disse algo para a outra garota e a deixou de lado, vinha lentamente ao meu encontro como se houvesse um imã em mim.

“Você é muito poderosa...”, ele disse perdido ao meu olhar. “Eu sei.”, e o beijei.

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