Páginas

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Conto de Inverno III



A chuva nos impede de fazer várias coisas. Nos impede de passear na praia, impede o meu cachorro de encontrar o seu instinto selvagem nas poças, impede que meus pais venham a minha casa e dizer que estou fazendo tudo errado, e queiram corrigir, retificar, o jeito que vivo NA MINHA CASA. Mas dentre outras coisas que a chuva provoca, ela não impede que as crianças brinquem na rua.
Muitas crianças surgiram do nada em frente ao meu prédio, pareciam girinos que nasciam da lama, tentando ratificar a teoria da Abiogênese. Aristóteles ficaria feliz. Resolvi sair e sentar na varanda para observar aquelas criaturinhas serelepes que pulavam de uma poça a outra, concretizando o sonho selvagem do meu cachorro.
Vestia um capote roxo de caxemira e uma calça de moletom preto, tinha os cabelos amarrados e trazia nas mãos, a minha velha caneca de café. Puxei uma cadeira e fiquei ali, estática ao perigo. Meu prédio possuía três andares, e eu me alojava no segundo andar, o resto do prédio era habitado por múmias simpáticas e criaturinhas serelepes.
Ouvia gritos animalescos e risadas demoníacas, as crianças sempre me assustaram. Um amigo meu, creio que é psicólogo, dono de um respeitável Black Power, diria que elas seriam dignas de estudo. E então uma bola suja de lama, acertou uma das minhas plantas que vibravam pela chuva, pois eu às vezes esquecia de regá-las. Um sorriso amistoso em uma cara redonda cheia de arranhões me pedia serenamente a devolução da arma destrutiva, devolvi um pouco irritada e disse alguns sermões. Me arrependi, havia me tornado a velha rabugenta que odiava quando era criança, peguei uns doces e mandei dentro de um saquinho para os anjinhos. Surpreendi-me quando ouvi o que parecia ser o líder dizendo: “Ok galera, mudamos de alvo!”. Eu era um alvo, imagino que inicialmente, não era a planta que eles queriam acertar.
Ah, crianças, crianças e chuva. Da próxima vez eu me refugio em algum abrigo.

Gabriela Vaz

Nenhum comentário: