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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Qualificação de lembranças

Ela sentou mais uma vez naquele cubículo aonde trabalhava. Dividia a sala com mais seis pessoas que falavam ao mesmo tempo ao telefone. Ela estava cansada de sempre ligar e lidar com pessoas mal humoradas, que consequentemente a deixam em péssimo humor. Por sorte, hoje começaria a trabalhar com uma nova empresa, e então deveria ligar para alguns teatros, e isso a deixou um pouco empolgada.
Conhecer mais os bastidores dos teatros dos quais ela sonhava conhecer, estava tornando todo aquele trabalho muito mais divertido, o próximo que ela entraria em contato, se tratava de uma construção majestosa, com música e arte explodindo por suas paredes antigas.

- Bom dia, eu gostaria de falar sobre a aparelhagem sonora do teatro, sabe com quem posso tratar isso?
- Sim, claro. Pode ser comigo.

Algo naquela voz a trazia uma certa lembrança. Mas resolveu ignorar.

- Ótimo, desculpa, como você se chama?
- Fernando.

E tudo veio em um flash violento, ela fez de imediato a ligação do teatro em que estava ligando com a pessoa do outro lado da linha, era ele. Fernando. Aquele homem a tempos atrás, brincou com muita maestria com os sentimentos dela, ela sentiu o sangue ferver, suas mãos suavam, seus olhos marejavam, sua voz teimava em falhar, mas ela precisava continuar seu trabalho.

- Senhor Fernando, poderia me dar algumas informações de que tipo de aparelhos vocês usam hoje?
- Sim, nós usamos o aparelho....

Ele falou por mais ou menos um minuto. Um minuto onde ela lembrava de cada nuance daquele homem, onde ela relembrava amargamente da voz dele quando a chamava para a cama, do olhar frio que ele a dava e que mesmo assim, ela acreditava conter todo o carinho e amor que precisava.

- Senhora? Está aí?
- Estou, desculpa Fernando. Me diz, vocês usam isso a quanto tempo?
- Há uns cinco anos, eu creio.
- Sei. - Há cinco anos eles terminaram.- E vocês estão satisfeitos com esses aparelhos? Tem alguma melhoria em mente?

Fernando continuava a falar com muita empolgação de todo o sistema, e ela massacrava seu coração com lembranças de uma época que pensava ter esquecido. Tola, isso estava mais vivo que toda a vida dela depois dos últimos cinco anos.

- Senhor Fernando, obrigada pelas informações. Você poderia me dizer seu sobrenome?
- Sim, é Cruz.

E por infinitas vezes elas imaginou ter esse sobrenome para ela.

- E qual teu cargo aí no teatro?
- Violinista.

É, ela sabia. Ela sabia muitas coisas sobre ele, aonde morava, de quais animais gostava, qual era a cor preferida, o que gostava de comer de madrugada. Ela sabia que ele era violinista, aquele violinista que seria o único na vida dela. Ela tentava com todo o seu esforço travar seus sentimentos para não vacilar na ligação. Certa vez quase deixou escapar um soluço do choro que a sufocava.

- Senhor Fernando, muito obrigada pelas informações, tenha um bom dia.
- Disponha. Foi bom falar com você, Vasquéz. 

E desligou. Ele sabia que era ela. Mas eles não poderiam mais estar juntos. Aquela infelicidade do destino aconteceu só para lembrá-los de um sentimento doloroso que estava enterrado. Agora ele estava vivo, e assim continuaria pela eternidade, pelos textos, pelas músicas. Ela naquele cubículo respirou profundamente e limpou as lágrimas, reabriu a planilha e marcou aquele teatro com um fundo vermelho. Não estava no perfil. 

Passou para a próxima ligação.

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